Como os biofilmes bacterianos impactam na indústria de alimentos
Na indústria de alimentos os biofilmes prejudicam a produção, reduzem a vida útil dos equipamentos e geram a perda da qualidade dos produtos. Para prevenir ou retardar a adesão de microrganismos e a formação de biofilmes algumas estratégias devem ser utilizadas.
A existência de biofilmes bacterianos é um assunto que tem destaque na indústria, porque estas comunidades de biofilmes podem ser empregadas de forma benéfica participando na produção de fermentados, nos tratamentos de efluentes e na fabricação de biopolímeros. Por outro lado, também podem afetar negativamente e provocar perdas econômicas, gerando riscos à saúde dos consumidores por serem constituídos por microrganismos patogênicos. Para entender melhor os impactos que os biofilmes podem gerar na qualidade do alimento produzido é importante observar como se desenvolvem e como podem ser controlados para que não resultem em perdas de qualidade e de produção.
O que são os biofilmes bacterianos
Os biofilmes são populações bacterianas, fixadas em superfícies bióticas ou abióticas - ou seja, instalados em organismos vivos ou em áreas inanimadas, como equipamentos, utensílios e ambientes industriais. Sua composição populacional pode ser homogênea - quando formada por apenas uma espécie de bactéria - ou heterogênea - formado por diferentes espécies (SAUER, 2007).
A capacidade de constituir um ecossistema organizado possibilita a estes microrganismos formarem comunidades complexas, criando canais de água que permitem a passagem de nutrientes, metabólitos e resíduos, favorecendo a sua proteção, tornando-os resistentes aos processos de higienização dos ambientes.
A resistência dos biofilmes é percebida em alguns componentes da sua estrutura como os exopolissacarídeos, os quais conferem uma barreira de defesa aos microrganismos. Dessa forma, essas estruturas favorecem a resistência contra estresses múltiplos do meio ambiente, como falta de nutrientes e a própria desinfecção.
Qual a composição de um biofilme
Quando pensamos em biofilme e a sua composição muitas vezes deduzimos que o maior constituinte são as bactérias. No entanto, elas representam apenas 2 a 5% desta matriz, sendo a água a fração mais significativa (em torno de 97% do biofilme) e as substâncias poliméricas extracelulares (EPS) são responsáveis por unificar a estrutura e protegê-la.
Os microrganismos capazes de formar biofilme são diversos, como Salmonella sp., Staphylococcus aureus, Listeria monocytogenes, Escherichia coli, Enterobacteriaceae, Shigella, entre outros. É importante destacar que grande parte dos citados possuem capacidade de desencadear surtos alimentares (Doenças Transmitidas por Alimentos - DTAs).
Como os biofilmes se formam
O biofilme é formado por uma sequência de eventos, conforme a adesão e adaptação dos microrganismos ao ambiente. Segundo Capelletti (2006), para estabelecimento da comunidade, as formações são separadas em cinco fases:
- 1ª fase – pre-adesão
Onde moléculas orgânicas de alimento, como resíduos de leite e carnes, pH e temperatura presentes sobre superfícies formam um filme condicionante, essencial para que os microrganismos primários consigam se aderir.
- 2º fase – adesão reversível
As células bacterianas são atraídas para se ligarem ao filme condicionante. Isso dependerá se o microrganismo terá aparato para se agregar, como fímbrias e píli.
- 3ª fase - adesão irreversível
Os microrganismos já se multiplicam e começam a formar agregados celulares. Sua mobilidade cessa e os genes envolvidos na comunicação celular e produção de exopolissacarídeos ativam.
- 4ª fase – maturação
É composta pela maturidade da estrutura que está sendo formada, com aumento da densidade populacional e produção de exopolissacarídeos para aumentar a espessura e estabilidade do biofilme.
- 5ª fase - destacamento
As células apresentam-se móveis, desprendendo-se do biofilme podendo contaminar os alimentos ou formar um novo biofilme na linha de produção.
Representação das fases de desenvolvimento de biofilme
Que impacto os biofilmes causam na indústria
Tanto as indústrias de alimentos para consumo humano quanto animal devem se preocupar em manter as linhas de produção sem a presença de biofilmes. Isso porque, apenas na fase primária e secundária (pré-adesão e adesão reversível) o biofilme é retirado com maior facilidade, com limpeza manual e esfregação branda. No entanto, nas fases finais de adesão é necessária limpeza pesada e com desinfecção bem controlada.
Biofilmes instalados ocasionam:
- Corrosão microbiológica induzida em equipamentos, reduzindo sua vida útil.
- Prejudicam a transferência de calor entre superfícies.
- Geram maior gasto de energia.
- Ocasionam mais substituições de peças e, consequentemente, a perda da qualidade dos produtos produzidos.
- Causam perdas devido à contaminação dos produtos finais com microrganismos deteriorantes, gerando alterações organolépticas nos alimentos e aceleração de processos químicos como rancificação.
- Propiciam o desencadeamento de surtos pela contaminação de alimentos com microrganismos patogênicos.
- Promovem perdas de lotes por positividade de bactérias que devem ser ausentes por legislação.
O grande problema de biofilmes instalados em uma linha de produção são as recontaminações frequentes que eles ocasionam. Durante os processos de fabricação, partículas da matriz são liberadas e a facilidade em se aderirem a superfícies envolvidas em processamento, como aço-inoxidável, borracha e alumínio tornam-se pontos críticos que devem ser controlados.
Métodos para controle e formas de redução de biofilme
Para prevenir ou retardar a adesão de microrganismos e, consequentemente, a formação de biofilmes, algumas estratégias podem ser utilizadas. Em sistemas industriais é preciso incluir, primeiramente, o controle efetivo dos microrganismos na água, retardando o máximo a sua deposição nas superfícies.
Para um controle microbiológico eficiente um dos passos a seguir é a higienização, que deve ser dividida em duas etapas definidas: limpeza e sanitização.
- A limpeza tem como objetivo a remoção de resíduos orgânicos e inorgânicos aderidos às superfícies, constituídos principalmente por proteínas, carboidratos, lipídeos e sais minerais.
- Após a limpeza, o número de microrganismos presentes ainda é elevado, o que faz da sanitização um procedimento indispensável. As falhas nos procedimentos de higienização permitem que os resíduos aderidos aos equipamentos e superfícies transformem-se em potenciais fontes de contaminação.
A higienização é utilizada com o objetivo de preservar a qualidade microbiológica dos alimentos, através do controle e da prevenção da formação de biofilmes. Com isso, auxilia na obtenção de um produto que, além de possuir qualidades nutricionais e sensoriais, tenha boa condição higiênico-sanitária, não oferecendo assim risco à saúde do consumidor (CAIXETA, 2008; FORSYTHE, 2002).
Outras estratégias de controle de biofilmes podem ser implementadas dependendo da extensão do problema. Neste caso, as estratégias podem englobar métodos processuais, físicos e químicos.
Medidas de caráter processual
Algumas regras de caráter mais preventivo, devem ser incorporadas nos processos industriais no sentido de retardar ou mesmo evitar a acumulação de biofilme nos circuitos, tais como:
- Limpeza mecânica frequente.
- Projeto adequado dos equipamentos.
- Implementação de técnicas efetivas de monitorização de biofilmes, entre outras (MACHADO, 2004).
Mesmo com todas as precauções, há situações onde o desenvolvimento de biofilmes é inevitável. Isso faz com que se tenha a necessidade de implementar outros métodos de controle (PEREIRA, 2001), como físicos e químicos:
Métodos físicos
Estes métodos envolvem técnicas de remoção física de biofilmes podendo ser aplicados “on-line” ou “off-line”. A limpeza “on-line” não necessita de interrupção dos processos industriais e pode processar-se de forma contínua ou intermitente requerendo equipamento adicional. A limpeza “off-line” exige a interrupção das operações do sistema, sendo por vezes, necessário que os equipamentos sejam desmontados para acessar o seu interior, para que a limpeza seja efetiva. Exemplos deste método são:
- Limpeza manual
- Aplicação de ultrassons
- Radiação ultravioleta
- Injeção de ar ou gás
- Choques térmicos
Métodos químicos
Nestes métodos aplicam-se substâncias químicas com propriedades antimicrobianas, tensoativas e dispersantes, cujo mecanismo de ação ocorre pela fragilização da matriz polimérica dos biofilmes e pelo enfraquecimento das interações do biofilme (MACHADO, 2004).
Todas as substâncias que possuem uma ou mais zonas ativas capazes de estabelecer interações adversas com componentes celulares específicos das células microbianas são considerados agentes antimicrobianos.
Comumente, é a concentração da substância química antimicrobiana que determina o modo da ação: se a concentração é baixa para as características do sistema onde é aplicado, então o efeito caracteriza-se como bioestático. Se a concentração é elevada o bastante o agente atuará numa estrutura vital das células e a sua ação classifica-se como biocida (PEREIRA, 2001).
Resistência aos antimicrobianos
De todos os agentes químicos referidos, os biocidas são as medidas mais usadas em sistemas industriais. Há investigações em que se demonstrou que quando os tratamentos químicos são realizados por períodos muito longos, as bactérias tornam-se resistentes pois estas adaptam-se e tornam-se tolerantes ao agente antimicrobiano. A resistência dos microrganismos aos agentes antimicrobianos pode ser, essencialmente, de três tipos:
1 – Resistência Natural, inerente ou intrínseca
Bactérias intrinsecamente resistentes são bactérias cujas propriedades naturais podem reduzir ou prevenir ações bacterianas. Geralmente, é verificado que as bactérias Gram – são menos suscetíveis a biocidas e antibióticos do que as bactérias Gram + (McDonnell e Russell, 1999). A resistência intrínseca nas bactérias Gram- podem envolver vários mecanismos, sendo o mais importante as propriedades de proteção da membrana externa.
2 - Resistência adquirida devido à mutação
No caso da resistência adquirida, os mecanismos de resistência surgem, geralmente, como resultado da aquisição de material genético ou de mutação. Também podem ocorrer trocas genéticas resultantes da conjugação, transformação ou mutações no genoma da célula (Cloete, 2003; Lambert et al., 2001).
3 - Resistência por adaptação
A resistência adaptativa é um tipo de resistência que as bactérias rapidamente perdem assim que se alteram as condições fisiológicas (Heinzel, 1998).
Limpeza e sanitização para combate a biofilmes
De maneira geral, para que as recomendações de qualidade microbiológica sejam alcançadas, a adoção de efetivos programas de limpeza e sanitização, bem como a utilização de matéria-prima de qualidade e a adoção de práticas higiênico-sanitárias por parte dos colaboradores, são fundamentais. Para tanto, a aplicação de ferramentas de controle de qualidade é imprescindível.
Uma ferramenta que tem obtido resultados muito benéficos no controle microbiológico é o Enziprime, uma solução concentrada com baixa formação de espuma disponível para o mercado. Seu blend de enzimas é ideal para o uso diário na higienização operacional e em locais ou utensílios de difícil acesso, contribui para a remoção de biofilmes formados por micro-organismos, que podem causar contaminação na indústria alimentícia. Aplicado por aspersão ou imersão, Enziprime age em minutos facilitando a remoção de sujidades orgânicas com eficiência e segurança para indústria.
Com a adoção de um programa de higienização, aliando medidas higiênico-sanitárias com a aplicação correta de produtos que sejam eficientes para a situação a que se destina, é possível contribuir para o controle de microrganismos, prevenindo ou até mesmo retardando a formação de biofilmes.
Além dos biofilmes, um outro problema que preocupa muito os produtores são as micotoxinas. Confira como o uso de acidificantes pode ser uma grande ferramenta no controle das micotoxinas nas rações.
Referências bibliográficas
CAIXETA, Danila Soares. Sanificantes químicos no controle de biofilmes formados por duas espécies de Pseudomonas em superfície de aço inoxidável. 2008. 75f. Dissertação (Mestrado em Microbiologia Agrícola) – Universidade Federal de Lavras, Lavras.
CAPELLETTI, Raquel Vannucci. Avaliação da atividade de biocidas em biofilmes formados a partir de fluido de corte utilizado na usinagem de metais. 2006. 81f. Dissertação (Mestrado em Engenharia Química) – Faculdade de Engenharia Química, Universidade Estadual de Campinas, Campinas.
CLOETE, T.e.. Resistance mechanisms of bacteria to antimicrobial compounds. International Biodeterioration & Biodegradation, [s.l.], v. 51, n. 4, p.277-282, jun. 2003. Elsevier BV. https://dx.doi.org/10.1016/s0964-8305(03)00042-8.
FORSYTHE, S.J. Microbiologia da segurança alimentar. São Paulo: Artmed, 2002. 424 p
HEINZEL, M., Phenomena of biocide resistance in microorganisms. International Biodeterioration e Biodegradation, v. 41, n. 3-4, p. 225-234. 1998
MACHADO, Sílvia Maria de Oliveira. Avaliação do efeito antimicrobiano do surfactante cloreto de benzalcónio no controlo da formação de biofilmes indesejáveis. 2005. 113f. Dissertação (Mestrado em Tecnologia do Ambiente) – Departamento de Engenharia Biológica, Universidade do Minho, Braga.
MCDONNELL, G; RUSSELL, D. Antiseptics and Disinfectants: Activity, Action, and Resistance. Clinical microbiology reviews. Jan. 1999, p. 147–179
PEREIRA, Olívia Baptista de Oliveira. Comparação da eficácia de dois biocidas (carbamato e glutaraldeído) em sistemas de biofilme. 2001. 221f. Tese (Doutorado em Engenharia Química e Biológica) – Departamento de Engenharia Biológica, Universidade do Minho, Braga.
SAUER, K.; RICKARD, A.H.; DAVIES, G.D. Biofilms and Biocomplexity, 2: 347-353, 2007.
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Beatriz Pasquali Fernandes - Mestre em Microbiologia Agrícola e do Ambiente e Analista de Laboratório de Controle de Qualidade da BTA Aditivos.
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